A Estética do Terreiro

Com a proposta de se vislumbrar a materialidade dos “encantados” nos Pajés de Negro, religião praticada na Baixada Ocidental, borda oeste do Maranhão, nordeste do Brasil, este projeto retratou parte da vida material de entidades espirituais conhecidas sobretudo pelas práticas de cura. Tais práticas, ao contrário de outras manifestações religiosas como o Candomblé, possuem um panteão de divindades (encantados) brasileiros, de origem “cabocla” (da mata, das águas doce ou salgadas) e portanto, pouco valorizadas por investigadores que, herdeiros de uma tradição “vergeniana” (Pierre Verger) ainda buscam por uma “África” idealizada, no Brasil.

Encantados são espíritos de pessoas que um dia viveram, mas não morreram, ou, nas palavras de Prandi (2001) se “encantaram”, “passando a viver no mundo invisível, do qual retornam ao mundo dos homens no corpo de seus iniciados, em transe ritual. Manifestando-se assim na cabeça de seus filhos ou iniciados, ou na “croa” (coroa), como se costuma dizer na mina, os encantados vêem à terra, descem na guma (terreiro) para dançar e conviver com os mortais, estabelecendo com todos os que comparecem aos terreiros relações de afeto e clientela.”

O substantivo – Pajé – que nomeia tanto o sujeito praticante quanto a religião por eles praticada, delineia a dimensão ontológica desta realidade religiosa, que possui na imagem dos “encantados” (espíritos, forças maiores) sua figura central.

A iconografia destes encantados é escassa. Não há praticamente “imagem” que os represente e poucos são/estão “materializados” na pintura ou na escultura, pois eles “são” o próprio local onde habitam, o animal que encarnam, ou o santo que os “abriga”, como por exemplo, João da Mata, um encantado que muitos afirmam ser o próprio São João Batista, ou a Princesa Doralice, que é uma troirinha.

Alguns terreiros, entretanto, simbolizam a presença dos encantados da “casa” através de pinturas na parede de seus barracões ou ainda podemos encontrá-los nos inúmeros objetos que fazem parte dos ritos, desde tambores e panas até cabaças e alimentos, ornamentos em louvor a este ou aquele encantado, como as bandeirolas e as coroas de flores. A própria pedra de assentamento, tão importante em todos os terreiros, é a expressão máxima da importância material nestes contextos.

Assim, da nossa curiosidade de fora surgiu este projeto, que através das imagens e das palavras busca sintetizar a importância da materialidade nos Pajés, inclusive através da linguagem/cantigas, pois ainda que pareça óbvia, a relação entre língua/imagem e “agentividade” está vinculada a questões mais amplas, como por exemplo, se somente humanos possuem agentividade e se seria esta intencional. Por outro lado, sendo objetos (e então repensamos toda a noção de categorias classificatórias) agentes, que tipos de objetos são estes, e como atuam?

Se a “agentividade” é atribuída também a objetos, portanto “coisas” aparentemente inanimadas, então uma discussão mais adequada sobre o tema se faz necessária (cf Henare, Holbraad & Wastel (2007), (Daston, 2004)). Procurando compreender este universo, eis nossa visão acerca da materialidade, expressa não somente em palavras/conceitos, mas sobretudo na visualidade, quase que metalinguisticamente.

O trabalho foi centrado nos terreiros dos municípios de Guimarães, Pinheiro, Cururupu e Central, localizados especialmente dentro de quilombos. Ali, entre panas e tambores, colares e defumadores, encantados descem à terra para bailar, curar e brincar. Afinal, este é um “brinquedo de cura!”.

Ana Stela de Almeida Cunha
Antropóloga