Nagon Abioton

Com certeza, já lá se vão mais de vinte anos desde que comecei a minha peregrinação pelos terreiros do Tambor de Mina do Maranhão, atraído pelos sons dos abatás ou de outros tambores que nos dias de festas dedicados aos santos (sincretizados com voduns e orixás), ecoam pelos vários cantos da Ilha de São Luís ou pelas comunidades quilombolas rurais embrenhadas no interior do Estado. A mesma atração também se manifesta nos passos das danças que oscilam entre cadências suaves e frenéticas, pela indumentária simples ou então sofisticada de voduns e orixás e pela fé com que os praticantes aguardam a chegada de seus guias e entidades.

Eu sempre ficava quieto em um canto qualquer do terreiro, de vez em quanto trocando de posição de maneira discreta e com a preocupação de não interferir no desenvolvimento do ritual. Perguntava pouco, mas deixava os ouvidos livres para os sons dos abatás e das doutrinas quase em forma de mantras que iam envolvendo o corpo e a alma. Os olhos atentos, escondidos por trás da câmera, aos gestos, expressões de faces, ao bailado advindo do transe e à beleza dos rituais.
Com esta frequência a esses locais de culto, fui ficando amigo dos chefes dos terreiros e de seus filhos, até ao ponto de levar bronca de alguns deles quando faltava a uma data importante. Nomes como Pai Euclides, dona Lúcia, dona Elzita, dona Denil, Pai Jorge, Mestre Bita, dentre outros, passaram a fazer parte da minha agenda nos dias de festas significativas de seus terreiros.

Dessa forma, entendi que era chegada a hora de dar a minha contribuição para a memória e preservação destas manifestações trazidas pelos negros africanos e que no Maranhão encontraram guarida e simpatizantes para se perpetuarem. Surgiu assim o Projeto “Nagon Abioton: um estudo fotográfico e histórico sobre a Casa de Nagô”, contemplado na Seleção Pública do Programa Petrobras Cultural 2007.
A escolha recaiu sobre esse terreiro por considerarmos a sua importância dentro do Tambor de Mina maranhense. Juntamente com a Casa das Minas, é um dos mais antigos do estado, servindo de modelo aos terreiros de Mina de São Luís. Dessa forma, eu precisava do apoio de uma equipe de peso para dar sustentação às minhas imagens e viagens.

Foi dessa maneira que consegui reunir num mesmo alguidar de banho-cheiroso pessoas amigas como a antropóloga Mundicarmo Ferretti, de reconhecido saber sobre religião afro-brasileira, e o poeta, pesquisador e jornalista Paulo Melo Sousa, que aceita grandes desafios, mergulhando fundo nas pesquisas relacionadas à cultura popular, evidenciando no seu texto a voz do povo que faz a Casa de Nagô. O trabalho está marcado por um sotaque calcado na herança da memória oral adquirida ao longo da vivência dos atuais integrantes da Casa com os antepassados que nos legaram tão importante contribuição no universo desse terreiro.